quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Sobre o natal

Desde que me conheço por gente, amo o natal; a atmosfera das luzes coloridas, das bolinhas de vidro brilhantes, a sensação de união e acolhimento que essa data representa, mesmo hoje, sendo ateia, pois nunca houve a conotação religiosa para mim, e sim, de reunião familiar. Não era o aniversário de Jesus, era a família junta, nessa época tão distante e feliz.

Acho que a lembrança mais remota que tenho desse feriado é de quando era bem pequena, com uns cinco anos de idade, e saímos de Florianópolis - minha mãe, meu irmão e eu -, em direção a Ponta Grossa, no Gol branco movido a álcool que ficava estacionado no posto de gasolina da esquina do nosso prédio. Pra fazer o carro pegar, você precisava dar a partida várias vezes e deixar o motor aquecer, então minha mãe ligava o carro e deixava ele lá por um tempo, até que pudéssemos ir.

Meu irmão e eu tínhamos, cada um, uma cobertor quente, quadriculado, de lã com franjas; o dele era marrom e, o meu, rosa. Quando não estávamos brigando para ver quem sentaria no banco da frente - o que era uma prova de ser "grande" -, nos cobríamos com elas no banco de trás do carro, enquanto um chutava o outro por mais espaço. Ninguém usava cinto de segurança e foi nas franjas da minha coberta que, mais tarde, aprendi a fazer tranças. Coisa besta de criança... Nisso pegamos a estrada.

Eu não me lembro com certeza, aliás do que nos lembramos se não daquilo que nos é conveniente (?), mas meu avô morava em um prédio que ficava em frente ao terminal de ônibus da cidade. Talvez não seja isso, mas tenho a lembrança de uma movimentação constante naquela rua. A porta de entrada era de vidro aramado, disso tenho certeza, e sempre que vejo esse tipo de vidro me lembro do antigo prédio. O chão do hall de entrada era de granitina, e o piso do apartamento era de tacos de madeira. O chão da cozinha era de vinil, com grandes quadrados brancos e pretos ou brancos e azuis, posso estar mentindo de novo; mas de fato era de vinil.

O banheiro tinha uma grande - pelo menos para mim, naquela altura da vida - banheira, do estilo vitoriano, porque tinhas pés, e um suporte para a cortina de plástico acima dela. Lembro dela no meio do banheiro e dos bancos plásticos azuis e laranjas, que eram redondos e tinham o formato de uma ampulheta e ficavam nos cantos do banheiro; me lembro do piso branco de pequenas pastilhas hexagonais de cerâmica... O apartamento dos meus avós era o retrato perfeito dos anos 80, do mesmo jeito que deveria ser a casa de qualquer pessoa naquela época; ainda assim, era a casa dos meus avós: a mais legal de todas, com os melhores cheiros de comida e com as melhores lembranças. Se os detalhes eram como me lembro ou não, não sei, mas o que ficou registrado foi isso.

Minha mãe tinha quatro irmãs; ela era a mais velha. Minha tia, nascida depois dela, também estava na casa do meu avô para o natal, junto com as duas filhas, minhas primas, primas-irmãs. As outras três filhas viviam na casa do meu avô. A terceira era super estudiosa e fazia o estilo "nerd" da época; ela dividia o quarto com a quarta filha, que estudava em colégio interno de freiras, em outra cidade, e nas férias voltava para casa e nos aterrorizava contando histórias de fantasmas da escola. Rolava uma muito boa, de alguém que caia em um poço; mas os detalhes se perderam no poço das minhas memórias.

A quinta filha era a única filha do meu avô com a única pessoa que conheci como avó, mas que na verdade era a minha "avódrasta". Essa tia era uma filha temporã, apenas um ou dois anos mais velha do que o meu irmão,  que fora o primeiro neto e, quatro anos mais velho do que eu. Minha mãe e as outras tias eram filhas do primeiro casamento do meu avô. Minha vó, Cristina, morreu muito nova, quando minha mãe tinha só 14 anos de idade. Depois de alguns anos, meu avô se casou com a vó que eu conheço, com a única que conheci e que sempre foi o perfeito modelo de vó.

Ela fazia as comidas mais gostosas. Engraçado é que apesar de saber que eram muito boas, não me lembro de nenhuma específica. Lembro só da sobremesa, sorvete de coco, que era a preferida do meu irmão. Ele era o neto predileto do meu avô, visto que era o único menino numa família cheia de mulheres. A casa tinha os cheiros mais gostosos da minha infância, uma mistura de porco assado, alho frito e vinho. Minhas primeiras memórias olfativas se fizeram nessa época - acabei de constatar, e como são boas! Graças à minha vó, a típica, que não sossegava até que todos estivessem estufados de tanta comida; a que sempre dizia: "coma só mais um pouquinho; você não comeu nada..." e a gente já estava colocando arroz pelo nariz! Ah, tempo bom...

A árvore de natal da casa dos meus avós ficava no canto da sala e o topo dela encostava no teto. Vô João tinha um sítio em Itaiacoca e era de lá que ele trazia o pinheiro, de verdade, com o tronco de cascas ásperas e com as folhas pontudas. A árvore era decorada com bolinhas de fino vidro, brilhantes e coloridas, que tilintavam quando encostavam umas nas outras, e com fitas de guirlandas coloridas e de brilho metálico. As luzes do pisca-pisca colorido na sala escura ficarão para sempre na minha memória. Aquelas luzinhas brilhavam dentro de mim me enchendo de esperança, de fascínio, e me fazendo acreditar que a vida toda estava ali dentro e que ela era muito bonita.

Entre todas essas lembranças, estávamos nós, quatro primos e uma tia de mesma idade, assistindo ao Xou da Xuxa, vendo clipes dos Menudos e do New Kids on the Block - por quem minha tia mais nova pirava muito. A gente brincava de Barbie e meu irmão irmão brincava com bonecos do He-Man, dos Comandos em Ação e dos Galaxy Rangers.

Na noite de natal, as meninas ansiavam por aumentar a coleção de bonecas da Moranguinho ou do Meu Pequeno Pônei. A esperança pelos presentes até amenizou o trauma de ver um primo de segundo grau, mais velho, vestido de Papai Noel e com uma máscara horrorosa de borracha, que me fez ter uma crise de histeria e choro. Que diabo de Papai Noel bizarro do inferno! Eu não queria sentar no colo dele de jeito e maneira!

Acho que foi naquele natal que roubei toda a coleção de borrachas perfumadas e coloridas da minha tia - delinquente desde sempre - que tinham formatos diversos, de estrelas, corações, e glitter, purpurina! Tudo que tinha brilho e cor eu queria pra mim. Ficava encantada, abestada com a delicadeza das formas, do reflexo, da mistura de cores.

Acho que esse foi o melhor natal de que me lembro, pois apesar de poder ter sido completamente diferente do que eu falei, com versões idealizadas dos adultos, foi o natal visto e sentido por uma criança, na época da vida em que tudo é maior, mais fantástico, mais bonito e mais significativo pra gente. Aquele natal da infância é o que eu gostaria de reproduzir todos os anos da minha vida, com toda a segurança de ter uma família por perto, com as pessoas que importam, com quem a gente ama e que nos quer bem.

Toda a agitação dos preparativos para a ceia, todas as conversas tarde da noite, todas as discussões apartadas, todos os abraços de perdão, todas as risadas das lembranças engraçadas e todo o clima, os cheiros, os sabores. Tudo isso é Natal para mim.

Para mim, as luzes de natal são o símbolo da centelha de vida que carregamos com a gente e que nessa época brilham mais, pois quando estamos perto de quem amamos, é que a vida mais faz sentido.

Feliz Natal! 🌲

segunda-feira, 17 de julho de 2017

Sobre ser mestra de mim mesma

Faz muitos anos desde que comecei a me perguntar qual era o sentido de tudo isso; quem eu era; o que eu estava fazendo aqui e por que me sentia do jeito que me sentia. A grande resposta para tudo isso é que eu precisava me conhecer, preciso ainda, e devo continuar precisando até o último dia. A diferença, agora, é que sei como fazer isso.

Pulando dentro de mim mesma, bem no fundo, tão fundo que ainda não faço ideia de quão longe posso ir. Sabe, grandes dimensões, enormes espaços, largos caminhos, tudo dentro de você mesmo. Mais ainda: dentro de toda a nossa limitação física, todo um universo infinito e coberto por uma mantinha de plush, quentinha, em que a gente se agarra quando sente medo, que a gente usa pra cobrir os olhos quando não quer ver alguma coisa nossa, guardada no armário escuro em que guardamos tudo o que não conhecemos; e a gente não conhece é a gente mesmo.

É a gente que fica guardado nesse lugar. A gente se guarda da gente.

A gente não quer se ver de verdade. A gente se esconde pela necessidade criada de atender às expectativas que o mundo coloca sobre os nossos ombros, que vão afundando as nossas verdadeiras habilidades, o nosso verdadeiro ser.

Tô só começando, mas não estou com medo. Serei mestra de mim mesma, mas também o serei academicamente, porque contrariando toda a minha falta de confiança, passei no mestrado.

Se eu achava antes que o mestrado era só para alguns poucos iluminados, então, estou eu, também, no caminho de Buda.

sexta-feira, 3 de março de 2017

Sobre andar de bicicleta

Estou indo para o trabalho de bicicleta, porque agora moro perto da universidade; menos de 1km. Vou porque, em mais ou menos metade do caminho, tem ciclovia e, na outra metade, eu ando pela calçada e atravesso poucas e curtas ruas. Vejam: não sou uma pessoa super confiante na bike. Eu não ando de bicicleta como se ela fosse um meio de transporte que pudesse me levar a qualquer lugar, não. Eu ando nela como um meio de transporte para o meu trabalho e distâncias similares, desde que não precise atravessar rodovias, subir elevados, andar por onde não haja calçadas... coisa simples e tudo isso por alguns motivos básicos: andar de bicicleta cansa, me faz suar, não tenho a melhor coordenação motora do mundo, nem o melhor preparo físico; além disso, tenho medo de ser atropelada; minha bicicleta não tem o freio direito e o esquerdo é ruim; os pneus estão carecas e não tenho um retrovisor... todos esses fatores me levam a andar bem na manha, mas eu juro que estou me planejando pra levar a bike pro conserto; só que como ele fica a uma distância superior a qual me sinto capaz de ir e passa por obstáculos que eu não me sinto segura para transpor, ainda não a levei, pois o farei de carro: vamos eu e ela no carro, em algum dia da semana que vem.

Agora, um pequeno balanço dessa nova rotina: antes, eu demorava uns 25 minutos pra chegar no trabalho porque tenho andado muito lenta ultimamente, e já chegava lá vermelha feito um camarão e fedida, suada, cansada, uó!

No primeiro dia de bicicleta, quando éramos ainda menos íntimas, eu subi nela e desembestei pedalando com os caralhos sei lá por quê; cheguei no trabalho em cinco minutos. C-I-N-C-O minutos! Foi muito rápido! Vento no rosto, fresquinho gostoso, mas as pernas já quase desistindo de pedalar, porque uma falta de preparo é uma falta de preparo! Deu uma canseira nas coxas e senti como se tivesse feito uma sessão de agachamento com a Gracyanne Barbosa, mas okay, foi gostoso, quase não molhei os sovacos de suor, então tava tudo certo. Fiquei bem felizinha!

No segundo ou terceiro dia, não lembro bem, voltando pra casa, tive que parar pra atravessar uma ruazinha dessas que eu disse antes que atravessava, mas então eu vi o carro, fui freando muitos metros antes porque a minha amiga não para em cima das coisas, ela vai parando, mas não para efetivamente, sabe?! Daí, além do carro, havia um pessoa pelo caminho e eu me embananei toda e, pra parar e desviar, acabei me segurando em um totem de metal que arrancou uma lasca do meu dedo, que começou a sangrar na hora. Nossa, doeu demais! Puta merda! Cheguei em casa com o dedo latejando e um pouquinho traumatizada. Não tava felizinha.

Com o passar dos dias, eu fui ganhando um pouco de confiança pra subir a rampinha que dá acesso ao prédio em que eu trabalho. Não é uma rampa reta, você precisa fazer uma curva bem fechada com a bicicleta pra subi-la. Na primeira vez, quando chegou na curva, eu desci da bike. Na segunda vez, eu dei uma virada no guidão e ela pareceu o suficiente para conseguir fazer a curva! U-huuu! Me achei a super profissional - a mesma que por anos só conseguia andar em linha reta. Na terceira vez, u-a-u, parecia que eu estava me aperfeiçoando no negócio! Impressionante! Parabéns, Karla!

Daí, na quarta, me fodi. Virei o guidão, só que de mais, a bicicleta caiu e eu caí por cima dela. Ralei o joelho, meti o guidão na coxa, que ficou instantaneamente roxa, bati o outro joelho, que ficou preto no outro dia, e mais uma vez, fiquei triste, tristinha, xinguei um monte e um carinha tirou a bicicleta do meio do caminho enquanto eu praguejava a bicicleta e a mim mesma. Essa foi a queda mais dolorida até agora - espero que não haja outras.

Agora a parte mais nojenta e asquerosa. Só de lembrar já começo a tremer toda, uix! Quando eu chego no estacionamento do prédio aqui da universidade, passo por um caminho com seixos e uns matinhos e talz. Venho eu, toda de boa, de sandália por causa do calor, pedalando lá lá lá, quando sinto uma coisa gelada no meu pé esquerdo. No primeiro momento, imaginei que fosse algum mato molhado que tivesse grudado no meu pé e, então, eu olho pro meu pé e realmente parecia, um mato comprido, seco, marrom escuro, grudado nele, mas eu não vi perfeitamente porque não tenho a habilidade de conseguir andar em linha reta olhando pra baixo, daí olhei de novo e vi que tava se mexendo ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh, coisa mais nojenta!!!! Parei a bicicleta na hora e vi que era um verme, com uns 15 cm, brilhante, tipo uma sanguessuga magra e comprida grudada e se mexendo na porra do meu pééééé! Ah, caralho! Que nojo! Me tremia toda, gritava histericamente até que tirei aquele bicho de mim com o controle do portão, que eu segurava na hora. Foi  H-O-R-R-Í-V-E-L!!! Pior história de bicicleta ever!

Mas então, sobre andar de bicicleta, tenho a dizer que este último mês, no qual vivi todas essas experiências felizinhas e essa última traumática - fora cair em cima da bicicleta na garagem algumas vezes -, me fazem perceber que eu realmente odeio com todas as minhas forças ficar suada quando esse não é o objetivo da atividade, mas que a bike quase não me faz suar, além de servir como uma capa mágica que me impulsiona pra frente com velocidade fazendo o ar correr tão rápido quanto eu, me refrescando, me cansando, mas também me deixando feliz, melhorando a minha coordenação, meus reflexos, minha visão de rabo-de-olho e o aumentando o bronze nos meus braços.

Andar de bicicleta tem sido uma ótima experiência e me faz lembrar de quando eu era pequena e nem conseguia ficar em cima de uma sem cair. Não tinha qualquer equilíbrio... ainda bem que o tempo passa e junto com as quedas e os roxões vem a habilidade de conseguir se manter em cima, apesar das ruas para atravessar, apesar dos vermes que grudam nos nossos pés, ai ai.