sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Parei

Parei de fumar ontem e lembro dos cigarros constantemente. Joguei um maço deles, fechado, no lixo da cozinha, que já está cheio, e quando me bate uma fissura, penso em resgatá-lo pra poder dar uma tragada. Isso é burrice, sim ou claro?

Fumei durante onze anos, variando as quantidades e os malefícios. Sendo eu asmática, e sedentária até o último fio de cabelo, o que me restou foi sonhar com longas corridas, nas quais eu nunca me cansava e conseguia dar passadas enormes, pulos, quase uma decolagem em busca de um prazer tão simples quanto o de correr.

Eu não corria, eu morria subindo escadas e, graças a um ex-namorado hipocondríaco, hoje não consigo me ver sem uma bombinha de Aerolin e, com o tempo, a coisa só piorou; a casa fedia, meu carro fedia, eu nunca tinha dinheiro trocado, eu tinha tosses que duravam semanas e que me faziam parecer com o Mutley; eu tinha as pontas dos dedos manchadas, o hálito comprometido, as roupas defumadas, a cobrança da filha, as propagandas negativas, os olhares condenadores, a falta de ar, o pigarro... 

Acontece que eu não dava a mínima pra nada disso. Fumar era um gozo. Uma gozada boa e demorada no meio da chuva de ansiedade, preguiça, ira e alienação.

Fumar é bom pra caralho. Nunca vou negar isso. O ato é de reflexão, simbólico. Eu viajava no barulho do atrito que a pedrinha do isqueiro fazia para que a chama surgisse; eu contemplava a fumaça que serpenteava o ar; eu admirava as brasas que iam comendo o papel e o fumo com seu calor. Era um tesão.

Quem fuma sabe que uma boa conversa ou uma boa discussão exigem um cigarro antes que tudo comece, depois que tudo termine. Quando se acorda, depois que se come e depois que se é comida. Às vezes, cagando, mas sempre sempre sempre nos momentos de angústia, preocupação e sofrimento. Fumar é dramático.

O que não foi um tesão foi ir ao médico essa semana e descobrir que, depois de fazer um teste de capacidade pulmonar, a capacidade dos meus pulmões já está comprometida e que, para alguém da minha idade, o teste deveria ter um aproveitamento de cem por cento, e o meu não tinha. Também não foi nada excitante ouvir dele, enfaticamente, que pessoas que fumam desenvolverão algum tipo de enfermidade em virtude do vício, mas nem todas elas terão alguma doença relacionada aos pulmões; e ele disse, categoricamente, que se eu continuasse fumando teria bronquite crônica, e mais adiante, enfisema.

Não vou encher o saco de quem fuma ou dar lições de moral pra quem quer que seja, porque todos somos livres pra fazermos o que nos satisfaz, mas a pergunta que fica é: o que me satisfaz é realmente o prazer safado das baforadas que me trarão a ruína em algum momento? Será que de fato preciso me destruir de maneira inconsciente para que esse mesmo inconsciente continue fazendo a festa dentro de mim e me dominando?

Meu inconsciente é tão cheio de artimanhas, que me sugeriu que eu fosse até a lixeira e chafurdasse por ali em busca do maço jogado fora, então me imaginei fazendo isso e, obviamente, mandei meu lado torpe ir dormir. É claro que ele não foi, e fica no meu ouvido dizendo que os cigarros ainda estão lá, e que eu ainda estou com vontade fumá-los. Nessa hora, então, mando-o tomar no cu, e bem que ele gostaria disso, mas também não vai.

Fato é que não fui revirar o lixo, e que a única sujeira que estou tentando limpar é a que existe dentro de mim e que, em parte, também era alimentada pelos cigarros.

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