domingo, 1 de março de 2009

Vida de modelar

Ah, as casinhas de massinha de modelar...
Comecei com elas na 6ª série, sem querer. Eu tinha alguma atividade na escola que pedia que fizéssemos um dado, de qualquer material, e o levássemos para a aula. Pensei que seria legal fazer um dado de massinha, mas como não tinha em casa, fui comprá-la.
Desde pequena adorava as massinhas Play Doh, que na época chamávamos de super massa. Eu já tivera alguns potes, e com essa massinha já pudera sentir o gosto (literalmente, porque como boa criança, uma vez provei um pedacinho: é salgada!) de manuseá-la e criar o que quisesse, e eu já fui muito criativa! Vocês verão!
Então... com a nostalgia que esse agradável “brinquedo” me trazia, fui atrás de um pote modelar meu dado. Encontrei um pote de 1kg! Era um sonho! Era branca! Com tudo aquilo poderia fazer meu dado e ainda sobraria muito para que eu usasse do jeito que me apetecesse!!!
Peguei quantidade que equivalia a um ovo de galinha, modelei meu dado, fiz os pontinhos que correspondiam aos números e levei-o para a escola.
Cada um dos alunos mostrou os eu, e depois todos ficariam expostos na sala por alguns dias. Não preciso dizer que no outro dia meu dado já não tinha o formato “cubístico”, característico de todos os dados. Ele estava tão amassado que mais parecia massa de pão “descansando antes de ir para o forno”.
Eu fiquei triste, puta na verdade, porque meu dado criativo virara um chiclete mastigado, mas pensando nisso hoje, e é bem provável que eu não tenha pensado na época, mas aquela não havia sido mesmo uma boa idéia...
Fim da história do dado!
Mas eu chego agora na parte que me agrada de verdade! O que eu fiz com o resto da massinha!
Ah, fiz grandes casa, famílias grandes e felizes em seus carros, que projetados por mim, nada mais eram do que banheiras com divisórias...
Eu pegava livros da minha mãe que tivessem capas-duras, e que suas contra-capas fossem lisas, sem nada escrito nelas. E era sobre estes livros que eu fazia as plantas baixas das casinhas (até hoje adoro ver plantas baixas de imóveis). Fazia a divisória dos cômodos, era a engenheira, e não havia nada que não pudesse ser feito. As casinhas não tinham paredes, e o que determinava se se trataria de uma mansão ou de uma casa de dois quartos, era o tamanho do livro, ou livros, porque às vezes eu juntava dois deles.
Meus dois dicionários da Xuxa (quem tem a minha idade deve lembrar-se deles) viraram uma mansão enorme! Criava a pequena mobília: sofás, poltronas, tapetes, esculturas, pias, camas, cadeiras, mesas, criados-mudos, cobertas, travesseiros, banheiras, almofadas, televisores, vídeos-cassete (na época), aparelhos de som, livrinhos, cômodas, penteadeiras, guarda-roupas, berços, carrinhos de bebê... e cada cômodo tinha um estilo diferente. Ah, também havia banquetas e o balcão em “L” da cozinha.
Ninguém além de mim diria que o pequeno quadradinho era uma televisão, ou que a pequena caixinha aberta com uma alcinha era o carrinho de bebê, mas era, e era tudo meu. Particularmente meu. Era meu pequeno mundo de modelar.
E era tudo branco. Apenas os membros da família eram coloridos. Eles não tinham forma humana. Pareciam gotas, sendo que a parte mais gordinha era achatada para que eles ficassem “em pé”, hehe! Eles eu pintava com canetinha hidrocor.
Azul-marinho era o pai, o filho era azul-claro. A mãe era vermelha, a filha, rosa, e o bebê era de alguma cor clarinha que lembrasse se tratar de um bebê (o que no fundo, era impossível). Reparem aqui que as cores azul para menino e vermelho para menina seguiam os padrões da “normalidade”, na época em que eu achava que não poderia ser diferente. A cor que é de um não poderia ser de outro, com risco de que suas características sexuais fossem afetadas por elas. Eu mudei, mas há ainda quem pense, com veemência, assim –hehe.
Eram a minha família perfeita, com a vida perfeita, sempre perturbada por algum pequeno conflito causado por algum outro homem-gota sem rosto, braços ou pernas. Mas eram os pequenos inconvenientes pelos quais até mesmo uma família perfeita deveria passar de vez em quando.
Depois que essa massinha criou sobre si pequenos cristais, perdeu toda a sua maciez por estar exposta, o que a deixava quebradiça e impossível de modelar novamente, eu a substituí por massinhas coloridas e mais populares, que nunca secavam.
Daí minhas casinhas tornaram-se coloridas, minhas piscina em formato de lago ficou azul, fiz árvores com folhas em dois tons de verde, e florzinhas que decoravam os jardins! Tudo colorido! Misturava cores e tinha mais variedade, novos personagens e situações.
Eu sempre representava a “mamãe”, aquela super-perfeita! Que era amiga dos filhos, boa esposa, feliz, bem-educada, boa amiga, bem sucedida, trabalhava fora, cozinhava bem , tinha bom gosto, era linda... Quando me cansava disso, desmontava a mansão e criava uma casa menor, para uma “mulher independente, jovem e sem filhos”.
Eu era Deus no meu mundinho de mentira. Eu modelava as pessoas, os lugares. Eu criava as situações e os problemas, porque não daria para ser sempre feliz, e seu eu enjoasse de cuidar da casa perfeita que tinha tudo que eu não tinha – e não falo só dos bens materiais, mas do sossego e da sensação de carinho e aconchego de uma família feliz – ; se eu cansasse de brincar que era amada por aquela família de propaganda de margarina que eu não tinha; se eu não quisesse mais ser aquela personagem super-independente que não devia nada a ninguém, tudo bem, eu poderia.
Poderia misturar tudo de volta, ou poderia simplesmente voltar para a vida da menina de 11, 12 anos que usava a criatividade para modelar o que ela, quando menina, acreditava que seria uma grande possibilidade de futuro.

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